KURT HEINZ STRUNS - SOLDADO NAZISTA EM IJUÍ

Faleceu nessa Semana o ijuiense Kurt Heinz Strunz que foi Soldado de Hitler. O Ciência Sociais em Debate, presta uma homenagem através de materia publicada em 19 de Janeiro de 2007 pelo Prof. Hilário Barbian no Jornal Hora H de Ijuí
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Kurt Heinz Strunz (assinalado) no desfile do juramento à bandeira e ao Führer no 71º Panzer Ersatz Kompany (Companhia Anti-Tanque), em maio de 1942, em Hildesheim - Alemanha
Kurt no Turbilhão


Com 82 anos, curvado pelo peso da idade, ele fita o assoalho, se concentra, respira fundo e larga com voz embargada o balanço das agruras da sua vida: “Eu não sei como agüentei tudo isso”. Ao cabo de mais de uma hora de entrevista, das seis horas gravadas e remexendo com as maiores emoções que a vida lhe fez passar, o velho soldado está cansado. Pede para pararmos: “Tá, tá, por hoje chega!” Respeito seu pedido e peço para marcarmos a continuidade da entrevista em outro dia.

Kurt Heinz Strunz é um brasileiro que passou por todas as peripécias que o agitado século XX poderia reservar a um homem. Dono de uma memória prodigiosa que o faz lembrar de datas, nomes de comandantes, batalhas, nomes de amigos e de locais por onde passou, tudo como se fosse ontem. Ele é simplesmente fruto e síntese das contradições do extremado século XX – como o definiu o historiador inglês Eric Hobsbawm – já que nestes cem anos a humanidade experimentou os extremos de tudo: migrações, guerras, fomes, pestes, democracias e totalitarismos.

As contradições que marcaram o século XX definiram a nova hegemonia mundial que estava sendo disputada pela Alemanha e pelos Estados Unidos, já que a Inglaterra, que vinha dominando o mundo deste o início da Revolução Industrial, em 1790, vinha perdendo poder. Foram necessárias duas guerras mundiais para definir quem no capitalismo exerceria o novo poder mundial. Ao fim da 2ª Guerra, em 1945, com a segunda derrota da Alemanha, a questão estava decidida. Mas de uma forma não previsível: De um lado, os EUA, defendendo o capitalismo e estendendo sua hegemonia ao mundo ocidental e à Ásia e, de outro, a URSS, defendendo o socialismo e estendendo sua hegemonia aos paises socialistas do leste europeu.

Retorno à Alemanha

A 2ª Revolução Industrial, iniciada na Europa em 1870, expeliu emigrantes para todas as partes do mundo. O Brasil recebeu parte desta população excedente, que veio estabelecer-se nos estados do sul do país, ocupando as regiões de mata. Em 1915, fixou-se em Serra Cadeado, atual Augusto Pestana, à época pertencente a Ijuí, o imigrante alemão Kurt Albino Strunz que veio a casar-se com Marta Netz Strunz. A 12 de dezembro de 1924, na vila de Augusto Pestana, nascia Kurt Heinz, o terceiro de cinco irmãos.

Em maio de 1925 seu pai transferiu-se para Porto Feliz, hoje Mondai, na localidade de Laju, onde comprou duas colônias de terra. Diante das alvissareiras notícias que vinham da Alemanha que estava reconstruída e que “era um paraíso”, o pai decidiu retornar à sua pátria. Para tanto, vendeu as colônias e com 40% das passagens custeadas pelo 3º Reich, empreenderam a viagem, em fim de julho de 1939. No navio “Monte Rosa” encontraram-se com outras vinte famílias, que também estavam retornando à Alemanha, igualmente pinçadas pela enorme propaganda nazista.

Hitler, já antevendo uma nova guerra, iniciou um verdadeiro rush de repatriação de alemães que estavam espalhados pelo mundo. Retornaram muitas famílias que estavam no Brasil e na Argentina, mas também de famílias que haviam migrado para paises do leste europeu. O Führer sabia que para um conflito desta envergadura precisava-se de trabalhadores nas fábricas e da reposição constante de soldados nas frentes de batalha. Daí porque a repatriação foi estimulada como política de Estado. Kurt Heinz recorda que Gustav Polmann, que à época residia em Panambi, foi entre tantas famílias da localidade que também atenderam ao apelo do Führer e retornaram à Alemanha em 1937 e 1938.

A família de Kurt Albino Strunz igualmente atendeu ao apelo. O que não sabiam é que o país estava às vésperas da guerra, o que vieram saber durante a viagem e que fez o pai lamentar pela decisão. Mas era tarde. A família estava sendo jogada no centro do turbilhão. Chegaram à Alemanha em 14 de agosto de 1939, dezesseis dias antes do início da guerra. Foram residir em Burgdorf, perto de Hanover. O irmão Oscar entrou logo para a temível Lufwaffe (Força Aérea), enquanto Kurt, depois de ser operário numa fábrica de munições, foi convocado, em 14 de abril de 1942, para o 71º Panzer Ersatz Kompany, em Hildesheim, uma Companhia Anti-Tanque, especializada no uso de canhões Krupp, em apoio a Infantaria.

Combatente na África

Em 16 de novembro de 1942, num lance de sorte, a família se reencontrava pela última vez. Kurt havia recebido quinze dias de férias, depois de ter concluído o treinamento. O irmão Oscar veio da Frente Russa receber um avião de combate. Como era costume, o pai mandou registrar o reencontro com uma fotografia. Pouco depois, Oscar teve seu avião avariado num combate com os russos e por não querer se ejetar - sabia que ia morrer nas mãos dos inimigos - tentou trazer o aparelho até as bases alemãs. Mas o avião perdeu altura e se estalou ao chão matando o piloto. Ao contar o fato, Kurt se emociona e as lágrimas rolam pelo rosto.

Em janeiro de 1943, Kurt era designado para integrar o Afrika Corps. O objetivo de Hitler era conquistar o canal de Suez, no Egito, para controlar a estratégica passagem do Mediterrâneo ao Mar Vermelho, que estava de posse da Inglaterra. Em razão da férrea resistência dos ingleses e com a ajudada dos norte-americanos, o objetivo não foi alcançado. Devido a falta de suprimentos, as tropas alemães, integradas por 45 mil soldados (30 mil alemães e 15 mil italianos), tiveram que se render aos ingleses na Tunísia, em 9 de maio de 1943. Junto estava Kurt. Para ele a guerra havia terminado depois de quatro meses de combates, conseguindo se esquivar de ferimentos. Agora ele era um prisioneiro de guerra.

Se para o jovem Kurt a guerra estava encerrada, para Hitler a guerra estava perdida. Era só uma questão de tempo. Nas duas frentes, o Führer havia sido derrotado. Na África, as tropas foram vencidas e na Rússia, em fevereiro de 1943, o general Von Paulus se rendeu com seus trezentos mil soldados. Era o início do fim do 3º Reich. A guerra terminou com a rendição incondicional da Alemanha em 8 de maio de 1945. Oito dias antes Hitler se suicidava. Os EUA e a URSS eram os novos donos do poder mundial.

Retorno ao Brasil

Da África, Kurt e seus companheiros foram levados para Glascow (Escócia) e de lá embarcados, em julho de 1943, no Queen Mary – segundo maior navio do mundo à época – com destino a Nova York. Nos EUA, Kurt peregrinou pelos estados da Lousiana, Texas e Arizona, sempre trabalhando na condição de prisioneiro de guerra que, na prática, mais se assemelhava a um trabalho escravo. Ele ficou sabendo do fim da guerra no estado do Texas, quando sua sobrevivência endureceu em razão da revelação dos horrores praticados pelos nazistas.

Em julho de 1947 ele e seus 1.500 companheiros foram enviados de volta a Europa. Depois de transpor diversos entraves referente a documentação, conseguiram embarcar em Liverpool (Inglaterra) no navio do Conde Matarazzo, grande industrial de São Paulo e chegaram, finalmente, ao Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1947, depois de quatro anos na condição de prisioneiro de guerra. Kurt retornava ao Brasil junto com outros onze soldados, que embora brasileiros, haviam lutado ao lado de Hitler. A chegada foi tão importante que mereceu nova fotografia.

Kurt chegou a Ijuí em 17 de novembro de 1947 onde reencontrou seu irmão Hugo que estava servindo no hoje 27º GAC. A família de seu pai havia vindo ao Brasil em janeiro de 1947, no navio Santarém, junto com outras famílias que foram novamente residir em Panambi, entre as quais a de Gustav Polmann. De Ijuí, ele e o irmão foram até Pratos, perto de Horizontina. O reencontro com a família foi marcado por fortes abraços e “uma só choradeira”. O ijuiense que foi soldado de Hitler estava vivo e de volta à sua terra. Depois de residir em Mondaí, onde casou e em Chopinzinho (PR), tornou a residir em Ijuí a partir de 1965.

Fontes: Realização de quatro entrevistas intercaladas entre 28/dez/2006 e 16/jan/2007, totalizando 6:03 horas de gravação e que ficará em poder da sua filha Ingrid Strunz Frota.